Thursday, April 14, 2011

Como Esquecer


Reino sobre os destroços desta balbúrdia com a soberania de um ditador sádico, julgando a superioridade de raça em cada um de meus desafetos. A usura destes filhos da puta apunhala-me como um bandido desgarrado a um comparsa envelhecido, desavisado e inocente em seu próprio crime. Sinto-me cada vez mais propenso ao engano e, contraditoriamente, cada vez menos propenso à tentativa de acerto. Sujo meus panos com este sangue quente que cai dos meus olhos. Não sabes que olhos também sangram? Ou queres igualar a dor de uma saudade com a frustração de um desengano? Sangro, sim, descompassado e com o exagero clássico dos romances mais vis, mas nunca aos berros – sempre em silêncio. Quem tenta me acompanhar nesta encruzilhada é tão facilmente associado à escuridão de dias penosos que acabo por roubar-lhe, rudemente, a identidade. E quem me nota maldizendo o amor em tom cômico e fúnebre, há de dizer que é desespero essa vangloriosa tragicomédia da qual participo. O que devo fazer? Entregar-me ao drama? Rio, sim! Rio e amaldiçôo ao mesmo tempo, e acho de tamanha elegância! Conhece-me pela minha escuridão e apaixona-te pela minha luz, nessa mesma ordem. Sou, por trás das cortinas do que tento ser, ainda aquele velho eu que insisto em afastar: um visionário, idealista, louco, apaixonado e destemido. Porém, tome nota: a cada um destes ingredientes, acrescentei um pouco da amargura escarrada destes meus erros. E, ao dizer meus, incluo também os erros com os quais fui presenteado. Se foram estes em minha singela homenagem, de meus chamarei, por favor. Vivo o meu luto por inteiro, mas nem sempre na ordem certa. Tenho tempo para experimentar e, se não tiver, também já nem importa. Brindo à dor da não-aceitação, ao furor da indignação, à saudade do que não vivi e à paz da renovação. Beberei deste veneno, a morfina dos deuses, a fuga dos mundanos e, em lembrança de tudo que vivi, tudo que ficou, tudo que passou, tudo que me deu e que me tirou, eu suicido e ressuscito sob os mesmos olhos arrogantes, livre de tudo e pleno de mim.

Passo


Nunca movimentei as massas. Nem por polêmica, nem por autopiedade. Sempre fui assim: essa obra-prima cuspida e excomungada nas realezas da podridão humana, customizado para o desencaixe. Sufoquei a dor anulando a minha condição de ser errante, ignorando a minha condição de mais um no meio da multidão. Insolente, talvez, absorver a amargura do mundo e tentar, num só gole, entornar tudo o que foi vomitado em minha homenagem. Cá estou! Completamente despido, completamente vivo e sem medo do teu julgamento, Pilatos. Nunca fui o santo que lavou teus pés, nem curei tua cegueira. Hoje recuso por repulsa o afago, o fardo e o fato. Recuso com maestria o que insistem em vangloriar. O meu destrato é a tua obra prima. O meu rascunho é a tua biografia. Não vês que me invade como o fã ao ídolo? Julgas um todo pelo que me disponho a mostrar. Mostro tão pouco... Sempre disse que não me importo, e sempre menti. Importo-me com um tom melancólico, com discursos desmedidos e, ainda assim, insuficientes. Nunca tive a empatia dos teus e de muitos meus, confesso, mas sempre fiz sentido para mim mesmo. Nunca duvidei de mim. Este ermo a que cheguei foi exatamente onde quis chegar e do qual sei o caminho de volta. Solto fogos por esta dor no peito: AINDA SINTO, AINDA ESTOU AQUI! A esperança não está nas minhas palavras, mas NOS MEUS OLHOS. Insisto, mais uma vez: não sou o teu Senhor. Esse retrato desfocado e mal revelado traz, ironicamente, a essência do meu dissabor: tricotei os trajes da tua apoteose sem pensar em te prestigiar no topo do mundo. Tens aí, no peito, as marcas do brasão do meu ser inóspito. Tens no rosto a incerteza pobre e mesquinha de quem tenta prever o final de um romance. Tens à frente tantos passos compassados, tanta obviedade e, atrás, tens talvez a contradição com a qual não consegues conviver: o teu maior engano e a tua maior verdade.

Thursday, August 06, 2009

10 de Maio


É amor
Dentro de mim
Dentro, em mim,
Acordando
Da letargia milenar
Só para te ver sorrir
Sem ver
O que vejo
Tão de perto
Tão para mim, por mim,
Sem fim num minuto
A contento
Um mar aberto
De mar a mar
Desaguando em minha nascente
Inundando minhas margens
Deixando correr todo o marfim.

É amor,
Que me esvazia até o fim
Para me encher de mim
Que me provoca, me afronta,
Me deslumbra a cru
Para se fazer, e se faz,
Rei de mim.

Amo-te
A cada segundo
Em cada ângulo
E em qualquer mundo
Ao meu lado
Ao lado, meu,
O meu melhor lado é:
teu.

(Dimas Gomes)
Frenesi

Perpetuo com meus pés frios em terras cálidas
E delongo o meu destino com promessas vãs
Perambulando com o peito maçante e o rosto pálido
Da anemia crescente herdada de meus ancestrais

Ébrio do sangue que corre de teus pulsos firmes
Distorço meus olhos e desvirtuo meus princípios
Calo o teu silêncio com meu choro desgarrado
E sacio a minha fome com a tua carne fresca

Acaricio teu corpo quente com os dedos calejados
Tua pupila dilata ao menor dos meus toques
O frenesi que emana de tua saliva putrefata
Entorpece-me os sentidos por inteiro

Desperto, porém, da caricatura do pecado,
Condeno o veneno que bebera com error
Aos prantos secos, revelo meu auto-retrato:
O reflexo de Medusa em trajes de Pierrô.

(Dimas Gomes)

Thursday, December 18, 2008

A Lágrima de um Diabo


Deslumbrado pelo incerto

Fui cortando caminhos avulsos
Procrastinando as cicatrizes
Precedendo os sangramentos
Desatinando com o relento
Expelido por mim mesmo
Despia-me desatento
E cobria-me de pudor
Mesmo sem tapar a dor
Da consciência recobrada
Tardia e redobrada
Clamante e atroadora
Aos ouvidos do escrúpulo
Que nada pôde fazer.

Quando vi, ali estava,
Sob os olhos do pecado
Encarando o Diabo
Provocando a sua ira
Distorcendo a sua mira
Ciente das armadilhas
Que eu armara com desvelo.

Só após ser derrotado
Percebi, sobressaltado,
Que o inferno era um ermo
E ao lutar contra o Diabo
Eu perdera pra mim mesmo!

(Dimas Gomes)

Monday, October 20, 2008

Alvorado


"Nem percebi o passar das horas até a alvorada incendiar o silêncio do meu quarto, invadindo a seda crua rubra empoeirada e refletindo-a em minha palidez. Minha face já desfigurada. Meu corpo inerte transpirava a agonia recente da noite em claro. Eu era todo vestido em panos sujos - mais limpos que eu mesmo, em meus mais gloriosos dias. Era oco e opaco, ser livre encarcerado. A infâmia acompanhava-me, zelosa e guiante, incessante. Diante dos meus olhos, um espelho estilhaçado, e cada um de seus fragmentos espelhava um fracasso meu diferente, os quais eu nunca conquistei..."

(Dimas Gomes)

Wednesday, October 15, 2008

Baluarte

Minha arte é
Meu baluarte
Nela, sou
Intrépido
Vulnerável
Execrável, até
Exíguo e
Gigante ante
Mim
Mesmo
Sendo
Eu mesmo
Repetitivo
Repito (e vivo)
Na mira
Da ira
De mim
Mesmo
Assim,
Delongo o fim
À porfia
Do por fim e
À beira do
Fim
De mim.

(Dimas Gomes)

Sunday, August 31, 2008

Chabu



Deu chabu, só deu!
E quem perdeu fui eu...
Perdi a dignidade e a saliva quente
Na boca de uma libertina!
Minhas teorias conspiratórias
Só conspiraram contra mim mesmo
E cá estou, indignado,
Sem minha saliva quente
E sem minha libertina.


(Dimas Gomes)

Monday, August 18, 2008

Rimato

Daqui me parto,
Inepto e inexato,
Pra não dizer insensato,
Inócuo, porém... ingrato.

Assim, por alto,
Meu universo abstrato
É, de fato,
CHATO.

Mas além, mais além do tato,
No âmago do extrato,
É breve, de tão lato,
E mudo, de tão alto!

Veja eu: contraditório nato,
Entregue ao destrato,
Sem meios, nem sapato,
Sem fome, nem prato,
Solto, porém falto,
Harto, porém... Farto.

(Dimas Gomes)